sexta-feira, 2 de maio de 2008

DEUS-JÁ-VI

DEUS-JÁ-VI
Eduardo B. Penteado


Foi numa praia em preto-e-branco
Numa noite expressionista
Sim, eu quase me lembro bem
Foi na época do meu primeiro monólogo com
deus(?)
Eu gritava e ele não respondia
Apenas me olhava
E eu andava calçado na água salgada
Um grito me acordou
E vi-me num sonho redondo e simétrico
"Socorro," gritou o que fui
De leve esbarrando no que sou
Torci para não ser reconhecido
Mas na multidão de eus,
Fui eu o escolhido
Cortei-me fundo, procurando uma veia
Mas só achei um veio de mercúrio
E eu estava longe, muito longe
Longe demais para gritar:
Morte, riso, planta, mulher
deus seja aquilo que eu o quiser!

TREVAS

TREVAS
Eduardo B. Penteado


É linda a lua do meio-dia
Brilha tola em sua própria mentira
Brilha sobre os espectros
Brilha sobre a abadia
Reina sobre os ausentes
Reina sobre o messias

Os Monges Ébrios de Vinho
Não mais habitam a abadia
Não mais descem a escadaria
Vazia
Deixaram-me aqui, sozinho
Um brinde, então
Aos espectros

É linda a lua do meio-dia
Brilha tola em sua própria mentira
Atravessei o espelho, e voltei
Vi meu outro eu, sereno
E me imitei
Cantei um poema hermético
Sem rimas, sem versos
Apenas sons desconexos
Escutei o canto dos espectros

Temo pela minha sorte
Tremo pela minha morte
Mas como é serena a minha morte...
Atravessei a fina película, e voltei
Vi meu outro Deus, e finalmente
Evaporei
Como a última gota do oásis fictício
Na periferia de um vasto deserto.

AREAL

AREAL
Eduardo B. Penteado


I


Um dia, parti de olhos vendados
Para desbravar os desertos...
Pisoteei flores raras em teu oásis de diamante
Mas o mundo é infinitamente finito!
Sempre em frente, em minha marcha
Regressei ao ponto de partida

Foi então que vi os muros.
Encontrei uma porta sólida e impenetrável
Justa e inevitável
Cuja única chave jaz perdida
Sob as areias dos desertos de minha vida

Parto agora numa busca mais objetiva.
Buscarei a chave que abre a tua porta
Tudo que possuo agora é o tempo que me resta
Uma enorme ampulheta
Um oceano de areia
E um fio de luz que escapa por uma fresta.


II


Se fosse definir para ti este momento louco
Acho que começaria por descrever os ecos
Loucos e ocos de lógica
Que reverberam contra mim.
Às vezes sinto-me como uma caverna secreta
Um poço de sons
Uma mera estrutura de ossos, sangue e olhos
Com todo o resto a ser preenchido
Por uma expectativa de um algo mais
De um grito...

De uma louca corrida por areias úmidas
De escuridão.
De um passo em falso
Na direção de um lindo abismo
Que foge à compreensão das outras pessoas
Pois dirige sua queda para cima
Rumo a um parafuso incontrolável de descobertas
E déjà-vu
Girando, girando
Mãos, olhos, bocas, vidas, tempos...

De tempos em tempos
O ponteiro dos segundos se mexe
Um brilho de diamante me ofusca
E eu alucino.
De tempos em tempos
A porta deixa escapar um fio de luz
Instantâneo, porém intenso
Tímido, lindo e tenso
Apenas um pequenino e tímido fio de luz
Que ilumina a periferia dos desertos.


III


Tenho areia nos olhos e água pura nas mãos
Sinto uma lágrima seca no rosto
Coagulando
E em meio a uma tempestade de areia
Vejo alguém a girar,
Girando no falso redemoinho da ampulheta.
Vi meu sangue na areia
Dei as costas para a porta.

Tenho areia nos olhos e uma cascata nas mãos
Por onde escapas de mim
Grão, grão, grão após grão
Girando mãos
Girando olhos
Girando uma tranca que, simplesmente... não.

''Um olho na fechadura,'' repete o eco
Mas tem de ser diferente!
Tende a ser referente:
O arame farpado que me isola de ti
Também cerca o meu horizonte
Não vejo campos, não vejo montes
Abre então a porta do teu desejo.


IV


A lua surgiu
E cobriu meus desertos.
Aqui e ali emergem espectros
Que fitam o sangue em minhas veias
E voltam a desaparecer nas areias.
Fechei os olhos,
E dentro de minha própria escuridão,
Adormeci.

Sonhei que a areia me cobria, e gritei!

Quis esmurrar a porta, como que possuído
Mas ela se transformou em fino cristal
Frágil demais para ser destruído.
Desaprendi o limite entre o sonho e o real
E brindei à dor do não concluído.
À minha volta, a paisagem se modifica
Os espectros me chamam para outra dimensão
E do outro lado da porta de cristal
Alguém sussurra o meu nome... em vão.
Em vão!


V


Um dia, parti de olhos vendados...
Estou fora dos desertos
As areias se transformaram em pó e cinzas
Junto com os princípios básicos da paixão
Repenso estroboscopicamente aquilo que vivi
Areia, ampulheta, abismos, gritos, gritos!

Um adeus às armas
Um impossível adeus às lágrimas
Um improvável adeus aos lugares-comuns.
Ora, boa noite!
Que surpresa vê-la aqui...
Para onde ir e de onde vir?

Inocência, deixe-me rir
Inocência, leve-me para longe dos desertos
Vastos e úmidos desertos
Cobertos por uma fina película de sangue
Sangue na areia
Uma rosa branca na areia
Ela está morta, e jamais gostou de rosas
Estou livre...
O céu se partiu, e está chovendo vidro.

LÁGRIMA

LÁGRIMA
Eduardo B. Penteado



Teus olhos inundam meu pensamento
No silêncio tardio de todas as noites,
De uma saudade nova e sinfônica
Tão recente quanto indecente
Grandiosa, phylarmonica
Sem similar nem precedente
Confesso, ardente
Todas as coisas que ainda não fizemos
Todas as palavras que ainda não dissemos
Aumentam ainda mais
A saudade do que ainda não houve
E se concentram numa lágrima azul
Sim, azul
Um resumo de tudo o que penso
Uma sinopse de tudo o que sinto
Uma lágrima que nasce no canto de meus olhos
Um canto azul de uma cantiga triste
Que insiste
Insiste em ameaçar-me com a sombra do proibido
Mas eu sei
Não há proibido dentro de mim
Por mais que eu tente me repreender
Por mais que eu tente entender
Por mais que eu tente me esconder, não consigo
É tudo óbvio demais,
Fulana.

ESSÊNCIA

ESSÊNCIA
Eduardo B. Penteado


Às vezes
Sinto-me batendo nas teclas de um piano mudo
Surpreendo-me camponês
Semeando terras estéreis
Vejo-me voando com asas de cera
Cada vez mais alto, tentando alcançar teus olhos
Tentando alcançar com a ponta dos dedos
Uma lágrima que cai com o vento
Uma gota que se estilhaça ao me aproximar
Me faz parar, deitar e chorar
E te abandonar
E te deixar só em tua ilha distante
Longe dos meus versos azuis
Longe do meu olhar suplicante
Nunca saberás, então
Quanta saudade sentirei no primeiro segundo
No instante em que me rasgar tua ausência
Nunca saberás qual é o gosto de minha essência
Não posso mais vagar pelas trevas
De tua velha mansão em ruínas
Não consigo buscar-te às cegas
Numa queda livre que nunca termina
No entanto
Se tudo que fomos foi poesia
Deixo-te uma garrafa de minha essência
Infelizmente
Vazia.

RECATO

RECATO
Eduardo B. Penteado



Tu, que estás sempre presente
A cada dia num rosto diferente
Anônima e perdida entre minhas lembranças
Memórias de um tempo de recato, distante
Em que todo o meu amor cabia numa estrofe
E todo o meu desejo, num olhar de relance
Olhar que despia teu tabu num segundo
E te vestia com toda a libido do mundo
Assim, sem mais nem menos
Como num longo estalar de dedos
Te fazia mulher
À sombra de minhas ilusões e medos

Sempre te amei assim, nas sombras
Como a platéia contempla a atriz
Como a alcatéia fantasia amores de camarim
Que gosto teria teu beijo num camarim?
Nunca ousaria dizer-te estas linhas trêmulas
Pensava eu
Mas agora é tarde demais
A língua bateu nos dentes
A represa se rompeu
Mas valeu
Acho eu
Adeus.

SALGUEIROS

SALGUEIROS
Eduardo B. Penteado


Que cada lágrima derramada no silêncio da distância
Se molde nos arcos de nossa ponte de pedra
Que atravessa um riacho turvo de insegurança
E abstinência.
Nossa ponte não toca as margens, e nem poderia,
Pois nunca tivemos começo nem fim
...e nem o tempo.
Gosto de contemplar a areia fina da ampulheta
Minha mais falsa amiga e infiel companheira
E rio,
Dançando a valsa do adeus sobre o parapeito de limo
Eu rio!
Chovendo a areia da verdade sobre a ponte do destino.
E entre risos, orquestras e árias, o silêncio:
Os salgueiros nos observam das margens, chorando
E sonhando:
Que cada instante de saudade vivido
Se traduza no primeiro momento de um regresso partido
E definitivo.

SAIDEIRA

SAIDEIRA
Eduardo B. Penteado



Andando entre olhos que me odeiam
Eu não encontro mais
Motivos para rir à toa em bares sujos
Nunca mais
Então me chamas
"Eremita! Pobre ser anti-social!
Criatura depressiva
Em seu hábitat natural!"
Não espero que você me entenda
É querer demais

Perambular à noite à esmo
Simplesmente não me satisfaz
Cansei do gosto amargo desses fins de noite
De tempos atrás
Então me chamas
"Eremita! Pobre ser anti-social!
Por que negar o bom da vida
E nem conseguir ser normal?"
Não espero que você me entenda
É querer demais

MEDO DE OUTONO

MEDO DE OUTONO
Eduardo B. Penteado
(postumamente, também a Fred Haas, que participaria do clipe)



São como balas perdidas
As folhas de outono que caem no chão
Conheço a promessa
A insegurança e o medo
Medo de outono, do vento
Medo do amor

Não consigo invadir
O que não me pertence
E à noite as folhas desabam
Em avalanches
Então são folhas de outono

A saudade me diz
Que não estou tão sozinho
É tempo
É tempo de risos e vinho
Só pra perder esse medo
Medo de outono, do vento.

UMA FOTO, UM BILHETE, UMA FLOR

UMA FOTO, UM BILHETE, UMA FLOR
Eduardo B. Penteado



E depois de tudo
Só deixaste uma foto
Um bilhete uma flor
Me vejo menino na foto sem cor
Te vejo sonhando ao lado da flor
Amor?


Fugiste do adeus dos olhos ateus
Que fantasiavam os teus olhos
Como sendo os meus
Me vejo sozinho, menino incolor
Te vejo me olhando, de dentro da flor
O menino chora na fronteira do mundo
E o cinza se torna vermelho profundo
Planta a flor na areia, então
Terei a ti sempre ao alcance da mão
Sempre, sempre ilusão.

RELENTO

RELENTO
Eduardo B. Penteado


Voltei à tal da praça molhada
Onde antes eu vinha chorar
Mais uma vez, só mais esta vez...
A praça está úmida e o hoje é seco
O beijo é soco, o amor é relento
E todo o resto vai ficando assim
Em Santa Teresa, em meu pensamento
Em minha caneta e em torno de mim

Não adianta entender o que houve
Pois tudo o que foi foram nadas
Um livro impresso em tinta branca
Um almanaque de fotos veladas
Um almanaque e meio
Lábios... longe... seio.
A lágrima que teima em não cair
O bonde com medo de se molhar
A palavra difícil de sair
O silêncio, o ruído, o olhar.

Um vento noturno diz a que veio.
O velho lustre balança, será?
Um velho ilustre a se embriagar
O ilustre balança e vai desabar
Assim como o céu, a chuva e o mar
E eu me pergunto, pensando, a sorrir
“De onde vir? Para onde partir?”
“Não sei,” disse minha alma pequena
“Nem sei o que trouxe você aqui.”
Digo adeus ao velho, ao lustre e ao bar
Fecho os olhos
E deixo o vento me dispersar.

TRILHOS

TRILHOS
Eduardo B. Penteado


Olhos, olhos e tudo o mais
Vi teus olhos hoje na praça
Correndo soltos nos olhos do velho
Fitando os olhos do menino franzino
Iluminando as luminárias das Neves

E foi somente nesta praça
Flutuando num outro tempo
Fustigada por outros ventos
Que a chuva alagou os trilhos do ontem
E como nos filmes antigos
Tudo ficou mudo e foi-se a cor
Tudo pode, nas histórias de amor...

A chuva encheu o ar com o cheiro de teu suor
Num rompante, sem conter tal ardor
Peguei minha saudade pela mão
E dancei na praça uma valsa
Um rock, um baião
Refrescando na chuva torrencial
Os sintomas da minha paixão

E dançando uma coreografia de raios
Canalizei o que havia fantasiado
Para um ponto inerte do meu passado
Até achar-me num nicho imaginário
Um segundo além do presente
Sempre um segundo distante
Mas vi-te passar tantas vezes de carro!
Com tantas pessoas conversaste!

Um segundo após o raio
Tudo era de novo uma grande ausência
Como a chuva caindo nos trilhos do bonde
Que hoje não quis se molhar.

BLISS THIS

BLISS THIS
Eduardo B. Penteado


Stay away from my old swamp
It´s cold and dark and damp
Oh, yes, I guess I love the mess
That hides beneath my false distress
No trees, no breeze, no lust, no leaves
My madness coupled with disease
All your screams are muffled dreams
And all your hope lies with the fiend
Everything that you most fear
Is waiting for your face in here
Hold me, hold me, metal tonsils
Abort me, blind eyes of justice
I have thrived, thus I have failed
Thou art but my truth unveiled
I couldn´t bear the birth of dawn
Hence cometh the weight of night upon
Bliss, bliss, remember this
I might be slain by a word amiss
Bliss, bliss, art not remiss
I might be saved with a simple kiss.

PERFORMANCE

PERFORMANCE
Eduardo B. Penteado



Bebia o velho poeta num canto de bar
Sozinho, esperando um metafórico apagar de luzes
Melancólico
Equilibrista
De lados opostos de seu bastão de cristal
Um cigarro seca o copo
Um gole apaga a chama
"Estou livre do verso, estou livre da trama!"
Jovens sóbrios caçoam do velho
O garçom ébrio reclama
Então, à meia-noite,
Voa longe a tampa do tempo
No canto escuro do barzinho sisudo
Nasce um personagem absurdo
"Sou o bêbado, sou o vagabundo,
sou o maior equilibrista do mundo!"
"Silêncio," bradou uma voz lá do fundo
E o poeta, moleque, fez-se de surdo,
"Sou seu beatnik, sou seu punk, sou o que há de mais imundo!"
Calou-se a platéia de incrédulos debutantes


Um garçom sóbrio, inexplicável
No qual ninguém havia reparado
Trouxe um candelabro de ossos
Uma a uma, as lâmpadas se apagaram
E se pôs a funcionar o gramofone quebrado


O futuro passou com escândalo
Silenciosamente, fez-se presente
E fugiu pelo espelho da contradição,
Deixando o poeta no meio do salão:


"Sim, vivi a vida, talvez
Como poucos coçaram a ferida
Como poucos comeram-na viva
Não sei, é claro
O que virá em seguida
Um sol hepático
Uma lua enfisemática
Uma aurora boreal sifilítica


Mais um dia
Homem, sorria!

Nunca olhei horizontes
Pois cada curva me dispersa
Eu olhava o que eu seria
E via o que eu não queria
O tempo passa, e a vida, devassa,
Escancara aos abutres a minha carcaça


A fonte da vida!
A chama da vida!
A fonte apaga a chama
Que a água vaporiza...


Venham, abutres!"
E todos nós fomos.

ILUSÃO

ILUSÃO
Eduardo B. Penteado



Angústia
Sentimento que aflora
À flor da pele
Não perdoa e me devora

Angústia sem motivo
Sem porquê nem por que não
Triste prazer masoquista
Triste forma de ilusão
Desilusão

Qualquer alegria é fogo de artifício
Uma dança de máscaras
Numa cerimônia de morte
Luto, véu e grinalda
Pai, filho e espírito
Pranto

Fecham-se as paredes em torno do canto.

O OLHO NA FECHADURA

O OLHO NA FECHADURA
Eduardo B. Penteado



É como esconder um poema
Rasga o verso
Rabisca a estrofe
Sufoca a rima
Escondo então a pena assassina
É como saber a hora da morte.

É como o arame farpado
Que cerca o horizonte
Corre livre pelos campos
Pelos rios, pelos montes
Corre livre, ó carcereiro
Faz de mim teu prisioneiro

Baixa então o nevoeiro
Me procuro, mas não me vejo
Fecha então a porta do teu desejo.

PASSOS

PASSOS
Eduardo B. Penteado


Sinto-me denso
Sinto-me absurdo
Tirem a mente de minhas mãos
Pois cada linha que escrevo
É um degrau a mais que desço
Rumo ao nada!

Do nada extraio nada
O nada trabalho com esmero
O nada moldo em desespero
Para obter o nada perfeito

Hesitação.

Passo a passo, sem corrimão
Enxergo nada na escuridão
Mas sinto o peso, e desço mais
Caminho tenso, sem olhar para trás
Não posso parar,
Senão me tiram a escada
Então cairei, mergulhando no nada.

O PRECIPÍCIO EMBUTIDO

O PRECIPÍCIO EMBUTIDO
Eduardo B. Penteado



Muito pouco foi dito
À beira do precipício
Nenhum gesto, nenhuma farsa
Nenhum sentido embutido
Apenas um passo em falso
Rumo ao baque inevitável
Lá no fundo da ravina

É como a queda de um cofre
Que se faz em mil pedaços
Explode e espalha seus segredos
Pelas águas de um riacho
Que sobe o morro até a nascente
Finalmente

Muito pouco foi dito
À beira de um momento propício
Nenhum gesto, nenhuma lágrima
Nenhum sentimento explícito
Apenas um grito.

FUGA

FUGA
Eduardo B. Penteado



Estou em fuga de um lugar para outro
Mas creio serem o mesmo
Creio não ser eu mesmo
Mas jamais serei o mesmo
Mesmo porque, isso nunca fui
Mesmo assim, busco uma saída
Para o lugar de onde todos fogem
Não me acho certo nem errado
Pois assim saberia onde estou
Saberia até quem sou
O que, em si, já seria lamentável
Assim perderia a liberdade
De ser aquilo que eu quiser.

CLAUSTRO

CLAUSTRO
Eduardo B. Penteado


Cada detalhe
Fragmento de lembrança
Bombeia o passado em minhas veias
E ele volta
Com um estrondo milenar
Preenchendo os espaços do meu claustro
Ecoando pelos cantos
Rachando as paredes
E formando túneis
Túneis que fatalmente me levam
A lembranças cada vez mais remotas

Tornei-me estático
Cheguei a lugar nenhum, outra vez
Nas ruínas de onde tudo começou
Coloquei o passado na estante
Mas ela desabou
E tudo se espalhou por onde agora piso
Vozes, nomes, datas, rosto
Vozes, nomes, datas, corpo
Restos.

Cansei de fingir que vivo no presente
A saudade morde a carne dura
E tira pedaços de vida crua
Bebe o vinho e só deixa o pão
A água
E o silêncio.

CAPTURA

CAPTURA
Eduardo B. Penteado



Quisera eu regressar no tempo
Até o instante de tua partida
Prender-te em meus braços
Com laços de aço
Cercar-te de mim pelo resto da vida
Tentar impedir tua fuga insegura
Quisera ter feito tamanha captura
Mas minha vida está cheia de rosas
Brancas, vermelhas ou mudas
A perda me envolve com a dor da ruptura
O solo que morre, o Sol que se afasta
As flores queimadas, é o fim da procura
A mão que me afaga me aperta a garganta
E o riso sintético esconde a loucura.

CERTEZA

CERTEZA
Eduardo B. Penteado



Já queimei todas as máscaras
E agora só resta eu
Finalmente aprendi a ser um ser confuso
Aprendi a me perder e a procurar
A minha própria solidão
Sou um ser dependente de uma seta
Para um futuro que caminha a passos largos
E se afasta
Por uma estrada que eu já trilhei
Eu tinha certeza!
Eu tinha certeza...
E hoje em dia a certeza não me diz mais nada.

LOUCURA LÚCIDA

LOUCURA LÚCIDA
Eduardo B. Penteado



Mais uma vez me escondo
E portas se fecham atrás de mim
Abro os portões do meu mundo
Como uma criança que invade um jardim
E só por ser diferente
Por não mostrar que estou contente
Eu apodreço aqui
Mas disso não me acusarão
De louco, não


E a sensação de abandono vem
E te faz refletir
Mais um louco se mata aos poucos
Sem o mundo sentir
E cada louco que morre
Leva junto uma história
Triste, curta e singela
De alguém que não soube fingir
Me acusarão
De louco, então.

FILOSOFIA

FILOSOFIA
Eduardo B. Penteado


Layla chorava no canto do quarto
Lendo aquele livro do famoso filósofo
Upside Down
No outro canto, no berço
Seu filho ria
Daniel, pequenino, nada entendia
Layla chorava no canto do quarto
E cada página que rasgava, doía
Seu conto de fadas acabara
Sua redoma de cristal explodira
Daniel, do berço, ainda ria
E Ivo, na biblioteca, lia tratados de Antropologia
Ele sabia
Layla pensava na carne e na volúpia que sentia
E a cada página que rasgava, tremia
Daniel ria
Daniel também sabia
Ivo lia violentamente na biblioteca escura
E do canto do seu olho uma lágrima corria
Ao lado do livro, uma arma reluzia
Ivo lia desesperadamente na biblioteca vazia
E Daniel, pequenino, tudo entendia
No canto do quarto, Layla já não chorava
Coberta de conceitos de Filosofia
Em sua mão sangrenta, o brilho de uma lâmina
Fria.
Daniel dormia
Esperando o amanhecer de uma casa vazia
E sonhando em viver, ele também
A paixão que ainda não conhecia.

HONTEM

HONTEM
Eduardo B. Penteado


Sinto-me oco
Então bebo da água de hontem
Ela tem gosto de ossos secos
E resquícios de outros gostos
A água de hontem tem gosto de corpos
Frios corpos funestos
A água de hontem sai de corpos mortos
Corpo, rosto, objeto
Encho o meu copo e acabo com o fastio
Encho o meu corpo de um espaço vazio
Sinto-me louco
Então inundo-me da água de hontem
Ela tem gosto de vermes secos
E resquícios de outras mortes
A água de hontem emana dos cortes
Na pele de corpos inertes
Dermes
De onde exala o odor mutilado
Enoja-me a visão de meu corpo jugulado
Sinto-me pouco
Então afogo-me na água de hontem
Ela tem gosto de todos os meus medos
E resquícios de velhos horrores
Ela encerra espectros e esqueletos
E ressuscita minhas dores
Neutraliza minhas cores
A água de hontem secou as minhas flores.

PREMATURE (THE KILLING ACT)

PREMATURE (THE KILLING ACT)
Eduardo B. Penteado



Days go by, and here am I
Painting pictures in the sky
Wasting time to picture you
Is all that I have left to do
The irony is so uncompromising

Then I came to recognize
Someone yelling deep inside
How could I believe in lies
How could I believe my eyes
It's the little child in me who dies

As I fumble for the gun
There ain't nowhere left to run
The crowds roll in, the lights go out
The killing act's about to start
In the dark the child is scared, and cries

Life and death are suicide
I tried to run, I tried to hide
How could I believe in lies
How could I believe my eyes
It's the little child in me who dies.

ACESSO

ACESSO
Eduardo B. Penteado



Quatro portas se fecham
Quatro vias de acesso
Quatro portas me chamam
Para o meu interior

Quatro portas me cercam
Quatro portas de vidro
Quatro portas seladas
Para o mundo exterior

Quatro portas me rodeiam
Quatro portas me odeiam
Quatro portas me censuram
Quatro portas que flutuam...

Quatro mortes
Quatro vidas
Quatro estrofes...
Findas.

INVERTED SINS

INVERTED SINS
Eduardo B. Penteado


The girl who guides me in my dreams
Has purple eyes and silver wings
And in the end she simply flies away
She never cries, she never sings
Her purple eyes, inverted sins
And in the end she simply flies away

Her lips are bossa-nova
Her kiss a psychedelic rush of warm desire

The girl who guides me in my dreams
Can give me almost anything
But in the end she simply flies away
She´s made of glass, she´s made of stone
And I will never take her home
Cause in the end she simply flies away

Her lips are bossa-nova
Her kiss a psychedelic rush of warm desire…

Made of glass, made of stone
You will never take me home
Never cry, never sing
Purple eyes, inverted sins
Made of glass, made of stone
You will never…
In the end she simply flies away.

FAR

FAR
Eduardo B. Penteado



High on the rocks
Over the cloud lies a valley
An albatross guides my way
Through the empty space
And no one will ever find
My hiding place
As long as I survive
'Til my dying day
I'll keep it away from the crowd


High on the rocks
I'm my own king in my Wonderland
Far from the noise
Far from the smog
And the hands of Man
And no one will ever find
My hiding place
As long as I survive
'Til my dying day
I'll keep it away from the crowd.

ENSEADA

ENSEADA
Eduardo B. Penteado



Adverti-me
que inadvertidamente
brotariam-me os versos de sempre
prostrei-me, porém
e descobri que meu eu silente
clamava pelo teu, ausente
escancarei-me ao acaso
e aguardei a chegada de rima, verso
ou algo equivalente
fitando a enseada
contei cada barco, cada vela e cada onda
fitando as janelas
olhei cada gesto, cada rosto e cada sombra
as luzes se acendem na enseada
brotariam-me as mesmas luzes de sempre
mas assim, estranhamente
há no hoje um algo diferente
uma eterna ânsia enfim desvendada
uma sensação de peão em fim de estrada
uma imensa vontade de pular e dar risada
e tudo isso, entenda,
foi porque descobri que meu eu silente
clamava pelo teu, ausente
assim, inesperadamente
convidou o teu para um tango caliente
e como o Sol poente agora é história antiga
dá-me as mãos e um beijo saliente
enquanto bailamos, ruidosamantes
ao final desta estranha cantiga.

ABAT-JOUR

ABAT-JOUR
Eduardo B. Penteado

Consegui.
Consegui finalmente ser inacreditável!
A porcelana eu quebrei
A flor do campo
Esmaguei,
Sob um coturno imenso
Ha, ha, eu sei.
Aproveitei
E arrotei no meio do poema
Contei o final da piada engraçada
"Por que me olhas assim?
Com minha besta abati o albatroz."
Que engraçado...
Mas qual é a graça?!
É horrível eu já ter lido isso em algum lugar.
Há muito tempo,
Um albatroz era apenas um pássaro
Ainda não era um albatroz
Chega.
Já sei,
Já sabemos onde isso vai dar
Mas será que vai dar?
Você ainda está aí?
Talvez.
Talvez seja melhor calar-me
Escrever a noite toda ou mesmo
sair.
Embrenhar-me em velhos guetos
Tentar-me, divertir
Besuntar-me de tudo aquilo que resolvi execrar
Acordar ao lado de um cadáver
E distribuir minhas farpas ao amor personificado
Como a besta que abat...
...jour. Dia. Luz.
Sim, como eu queria ser um abat-jour!

Não, não é bem isso.
Não é nada disso!
Ainda não completei a transição
Ainda não escrevi a canção
Que todos hão de cantar...?
Ora, cale-se!
Alguém está pedindo para deixar a luz do sol
entrar.
E na TV muda
Alguém agora está morrendo
Não sabia que podia-se sangrar tanto,
em silêncio.
E na TV nada muda
Um filme que eu com certeza já vi
Mas hoje talvez ela esteja certa:
Talvez eu deva mesmo fazer uma pausa
Uma breve pausa desperta
Um breve basta, por que não?
Na obsoleta programação
Para poder dormir e acordar num novo dia...
Sempre!!
Eu sempre gostei delas
Mesmo quando a TV era preto-e-branco
Eu sempre gostei dessas barrinhas coloridas.
Hoje, nem tanto.

COBERTAS

COBERTAS
Eduardo B. Penteado



Onde estás, pergunto-me...
Em casa, sonhando com gozos de mel
Ou gozando sob o fardo bonito de um estranho
Sob as cobertas de um sujo... motel?

Só quis saber...
Não sei se te amo ou odeio,
Meu amado ex-amor
Não sei se revelo o meu tolo dilema
Ao impassível mundo exterior
Nem sei se passo em frente onde moras
E vivo o meu mais profundo temor
Teu beijo numa boca ao acaso
Tuas juras de tesão, seja a quem for
Queria, ao léu, encontrar tua substituta
Nem que fosse, talvez
Na mais barata prostituta
Devassa, sem limites e insaciá...
Não, isso seria improvável!
O que sinto por ti dá de dez no sexo
Rimando pobre, teria muito pouco nexo
Gozar em outro corpo, outra boca, outra alma
Que não fosse naquela louca calma
Que encontro nas profundezas de ti, meu amor.

SAL EM BOCAS SECAS

SAL EM BOCAS SECAS
Eduardo B. Penteado


Nunca quis tanto dizer o contrário a alguém
Sem poder e sem querendo
Nunca quis tanto dizer adeus a alguém
Simplesmente para continuar vivendo
Dizer adeus a alguém
Que um dia eu já disse ser sinônimo de vida...
E continuo dizendo?
Dizer adeus à vida
É uma piada de mau gosto
Que infelizmente não é de minha autoria
Fosse, eu a calaria.
O piadista covarde voltou-se contra meu riso
Tirou-me o doce, o palhaço vingativo
No entanto
Enquanto tratava-me como menino arteiro
Castigou-me como adulto infrator
Plantando uma semente de dor
No mais íntimo e piegas canteiro:
Uma dura semente de esperança
Que tomou-me o espaço inteiro.
A terra era ruim
Salgada de lágrimas
Mas a esperança, desgraçadamente,
nasceu.
Se alimenta de mim, aos nacos
E tudo ao redor, aos poucos,
morreu.
E nessa batalha absurda
Perderei enquanto houver esperança
Enquanto houver esperança?!
... nunca acharia as gaivotas cruéis, pensava eu.
Mas neste momento o céu está cinza
E posso ver várias procurando abrigo.
Devem estar indo para casa
Ou algo parecido.
Enfim,
Nunca quis tanto dizer adeus
Nunca tive tão pouco a dizer sobre Deus.

SANDGLASS

SANDGLASS
Eduardo B. Penteado




A hundred years since she went away
I'm drowning in a storm of silence
Waiting for the day when I won't be
Waiting for madness in vain
Turning her sandglass again, again
again...
Incense is burning
The smoke ghosts
Are dancing naked in the wind


A thousand years since her leaving day
The face on the Moon is gone
I'll bet it's looking for yesterday
When I won't be
Waiting for madness in vain
Turning her sandglass again, again
again...
Incense is burning
The smoke ghosts
Are dead and gone.

O PÁSSARO SÓ

O PÁSSARO SÓ
Eduardo B. Penteado



"Voar não é morrer..."
Voar é não morrer
Na morte a alma voa
A pedra voa e o pássaro morre,
Se não voa
Voar não é morrer
Morrer é não voar
O pássaro Só não voa à toa
Só voando e só vivendo
Aprendendo e não morrendo.
Do outro lado do meu céu
Está o seu
Mas o céu não é seu, nem meu
E na morte voamos para o céu.
Mas realmente,
Se voar não é morrer
Voar é não morrer
Morrer é... voar?
Morrer é o pássaro voar
Pra nunca
mais voltar.

AMANHECERES

AMANHECERES
Eduardo B. Penteado

- ...
- "Vives dentro de mim como uma alma fugida, que em nada toca mas tudo modifica."
- É seu?
- Talvez.
- Não gostei. Nem rimou direito...
- Dane-se. Robert Frost escolheu a estrada menos percorrida, e foi isso que fez toda a diferença. Durante anos carreguei isso como um lema. Agora cheguei num trevo com milhares de estradas e estou confuso. Chegou a hora de tomar todas... as estradas ao mesmo tempo. Ou uma, talvez... ou nenhuma. Adeus. Quem chamou você aqui? Vá embora!
- Tem certeza?
- Não.
- E sobre ela?
- Ela quem?
- Ela...
- Não quero falar sobre ela.
- Mas é por isso que eu vim. Ela mandou avisar que está te esperando lá na praia, com algumas garrafas de vinho.
- Mas agora? Que horas são?
- Quatro.
- É dia ou noite?
- É noite santa, sua anta!
- Só pode ser truque. Eu nem te conheço!
- É claro que é truque. Você não vai? Tá com medo de quê?
- Do outono...
- Outono?! Não acha meio frio demais para estarmos no outono?
- Esquece.

Praia de Copacabana, em algum posto entre o Tempo Perdido e o Paraíso Perdido.
- Gosta do Fausto Fawcett?
- Não sei. Não moro aqui.
- Nem ele.
- Não enche. Afinal, ela é bruxa ou não?
- Olha! São duas da manhã!
- Bem que eu achei que você não era normal. Eu pergun...
- E eu estou lhe dizendo que embora isso possa parecer muito louco, você está recuperando tempo. Talvez ainda dê tempo. Venha, vamos comer um pastel de vento!
Atravessamos a Avenida Atlântica e em poucos minutos estávamos na Vista Chinesa. (?)
- Peraí! Como...
- Não importa.
- Mas aqui é perigoso à noite.
- Não tem perigo. Estamos em 1958.
- ...
- Quer um pastel? Toma.
- ...
- Não fique pálido. Conte-me uma história triste e sofrida.
- Não posso. Não canto blues. Além do mais, você já conhece essa história. Você é parte dela. Porque não aproveita e me conta o final, duma vez? Eu tô me esforçando para parecer normal, mas apareceu um tique nervoso na base da orelha. Acho que estou excitado. É, estou. O que tinha nesse pastel?
- Não se preocupe, não é o pastel. Eu só queria privacidade. Se você quiser, nós vamos embora.
- Não. Vamos ficar aqui. Beije-me.

- Acorde.
- Onde estamos?
- De volta à sua realidade. Quer fugir?
- Não é sempre que eu consigo. O que aconteceu?
- Você que sabe. Não quer saber quem sou?
- Não. Você me assusta... tudo bem, diz logo!
- Não adivinhou ainda? Sou um elo.
- Você existe?
- Tente entender assim: eu represento todo o sentimento entre você e...
- ... ela. Mas e o que rolou na Vista Chinesa?
- Nunca estivemos na Vista Chinesa. O que você sente por ela?
- Pô, você deveria saber!
- Digamos que eu queira ouvir de você. O que você sente quando está perto dela?
- Deixe ver... sabe aquela fraqueza que a gente sente quando está prestes a pegar uma gripe? Pois é, só que muito melhor!
- Você é estranho. Aquário?
- Claro! E pelo menos eu existo.
- Tem certeza?
- Já te disse que hoje em dia a certeza não me diz mais nada.
- Você não estava falando comigo. Se eu me lembro bem, isso faz parte de um poema que você estava resmungando antes de eu sentar do teu lado. É sua?
- Talvez.
- O que você estava bebendo, mesmo? Dry Martini, né, como nos filmes? Por que logo Dry Martini?
- Curiosidade.
- Você acredita em coincidências?
- Há muito tempo eu não acredito mais em coincidências.
- Faz bem...

Sentei numa falsa duna em frente ao Copacabana Palace e fiquei imaginando amanheceres. Tudo aquilo já era demais, eu já não entendia mais nada e eu detesto perder o controle da situação.
- Aí está você perdendo tempo de novo...
- Acho que está na hora de você partir.
- Você pensa que sabe tudo, né?
- Você não tem mais mistérios pra mim. Pelo menos, os seus mistérios não me interessam mais. Tem um monte de gente que nem você lá no Baixo Gávea. Eu quero pensar um pouco, sozinho.
- Você pensa D+ e age D-...
- Ela te disse isso também, né? Bom, ela pensa que sabe pra cacete, e deve saber, mesmo. Deve saber muito sobre suas próprias experiências, sua lógica, seus valores e suas dores... de cotovelo. O que ela não sabe é tudo que ainda não mostrei, e se um dia mostrarei. E não estou falando de poemas, canções, fotografias e nem de folhas datilografadas... e nem garrafas vazias! De onde saíram essas garrafas cheias de vinho?!
- Não adivinhou ainda? Eu escondi.
- Você é bruxa?
- Acho que isso realmente não importa mais.
- E eu acho que nunca vou saber realmente quem você é. Encha a minha taça!
- Um brinde às telenovelas mexicanas! Quanto tempo você pretende ficar preso neste limbo? Como você já deve ter percebido, aqui não há amanheceres...
- ... nem ressacas, nem o day-after. Só o prazer da dor e da escuridão. Eu quero sair daqui, mas não vejo como.
- Então conte-me uma história mais triste do que a sua.
- Não. Tô de saco cheio de histórias tristes. Conte-me a sua.
- Summertime...

quinta-feira, 1 de maio de 2008

BLISS THIS

BLISS THIS
Eduardo B. Penteado


Stay away from my old swamp
It´s cold and dark and damp
Oh, yes, I guess I love the mess
That hides beneath my false distress
No trees, no breeze, no lust, no leaves
My madness coupled with disease
All your screams are muffled dreams
And all your hope lies with the fiend
Everything that you most fear
Is waiting for your face in here
Hold me, hold me, metal tonsils
Abort me, blind eyes of justice
I have thrived, thus I have failed
Thou art but my truth unveiled
I couldn´t bear the birth of dawn
Hence cometh the weight of night upon
Bliss, bliss, remember this
I might be slain by a word amiss
Bliss, bliss, art not remiss
I might be saved with a simple kiss...

SANGUE EM NÉON

SANGUE EM NÉON
Eduardo B. Penteado


Uma sirene corta a madrugada
E esfarela o meu raciocínio demente
Onde estaria agora,
Não fosse a claridade dos fatos que me cercam?
Estou...
Sou um ponto isolado,
Numa noite em que todos dormem
Ninguém me cerca agora
A não ser o vazio de uma descoberta
Sou um atento observador cego
Guiado pelo tato
Braille, Braille, sou analfabeto!
Absorvi todas as promessas, e fiquei mudo
Não devo gritar, pois é tarde da noite
E eu poderia acordar
E gritar
Eu prometo não gritar, se o sonho for real
Mais uma...
Mais uma promessa absorvida
Arquivada
Esquecida
Alguém freou no asfalto fosco!
Como eu queria ser sincero neste momento absurdo
Queria que tudo fizesse sentido a um mero estalar de dedos
Mas a cortina torna a subir
E o palco permanece vazio
E eu, sozinho em meio a futilidades espalhadas
Não!
Eu é que estou espalhado, e pouco a pouco
Passo a fazer parte das paredes
Atravesso paredes e encarno em outras vidas que conheço.
Sem sair do lugar
A madrugada chegou, sem nada mudar

Até desconfio dos caminhos retos e sem espinhos
Mas isso não importa mais
Meus cortes já começam a sangrar
Escuto freadas no asfalto lá fora
Lá dentro
Gritos, estilhaços e sangue na minha cortina
É o sangue frio em minhas veias que teima em se libertar
Pelos ares vou em delírios de néon vermelho
Sozinho, entre fumaça e rumores
Parindo o último ato.

LÂMINAS

LÂMINAS
Eduardo B. Penteado



É curioso
Experimento agora o frio vazio do vácuo
E não posso permitir-me a saudade
Ah, jamais me perdoaria
Se de repente me reencontrasse vasculhando
espaços mortos
Espaços e pequenas vozes por mim assassinados
Apelidos e carícias com lâminas...
Pequenas e virgens crianças
que chamávamos de sonhos
Brincam agora em parques vazios
Interditados
Eu sei:
Enquanto contavas no pique
Atravessei o portão e o tranquei
Ah, jamais me perdoaria
Se de repente me reencontrasse vasculhando
espaços mortos
Jamais me perdoaria
Se olhasse para trás um dia e visse
Uma velha criança de olhos vendados
E sem lágrimas
Contando até o infinito
Infinito e um, infinito e dois
Dois...
É curioso.

HIERONYMUS

HIERONYMUS
Eduardo B. Penteado


Corria como uma criança barroca em êxtase
Fugindo do asilo pós-moderno onde guardavam as pessoas sãs
Onde as inscrições em sânscrito
Brilhavam qual luz negra nos neons de vielas sujas
E onde ultramodernas mulheres gordas sacolejavam
Sobre pedestais de cera
Vendendo seus corpos à pederastia de origem nobre
Um quadro roto de Hieronymus Bosch
Decorava a fachada do bordel
Alguns executivos recolhiam seringas usadas na praça do chafariz
Sob o açoite de Pan...
...pan, pan, pan, fazia a chibata nas idéias do rei morto
Do rei posto em liberdade pela morte às avessas
“Libertas”, bradava o pequeno coral de querubins
Lindo asilo, lindo asilo!
De alicerces corroídos por roedores de olhos azuis
Cuidado com as sentinelas!
As sentinelas estão mortas e apodrecem nas guaritas
“Libertas”, bradava o pequeno coral de querubins
Da torre da catedral em chamas
Os sinos tocavam um tango de Astor Piazolla
A rainha estéril abortou
E fez amor com o arlequim de vidro
No canto do pátio
A língua do bardo é devorada por saúvas
No canto de uma ave cega
Um nó na garganta me lembra a forca e o cadafalso
O sol se põe atrás dos muros, mas torna a subir
A imagem do bardo moribundo
Entreabre as portas que pensei ter trancado
E por entre seus lábios pretos e rachados pela morte
Sopra uma praga mais implacável que a peste
E, das catacumbas, os querubins ecoam...
“Libertas, libertas,
Libertas!”

BLUES

BLUES
Eduardo B. Penteado



Que pena! Não canto blues...
Não posso dar-te a dor que tanto buscas
Pois não era a dor que eu guardava para ti
Não era a dor nem a tristeza que escrevi

Não adianta pintar paisagens em nanquim

De certa forma aquilo bastou para mim
Estou sozinho nas areias de outra praia
Uma praia bizarra e distante
Sem dunas, sem o barulho das ondas
Sem gaivotas mirabolantes

Pena que eu não cante blues, pois
Aqui, sozinho, em silêncio
Contemplando toda essa ausência
Dá até vontade de não chorar.

PINCELADAS

PINCELADAS
Eduardo B. Penteado



Queria pintar seus olhos
Numa parede cinza, bem cinza
Cinza como o desejo
Num beco sem saída
Queria saber a hora certa
De lhe entregar o proibido
Poema cego
Poema surdo
Ah, libido...

Não me olhe demais
Não me tente jamais
Jamais preste atenção no que digo
Tolas frases jogadas
São perigosas pinceladas
De um desejo perigoso e proibido
Jamais
Jamais preste atenção no que digo.

ALGURES É LONGE DAQUI

ALGURES É LONGE DAQUI
Eduardo B. Penteado


Inocência, olha eu aqui
Não vais te lembrar de mim
Não vai ser tão fácil assim
Hoje te vi nos olhos dela
Mas ela piscou e te escondeu
Inocência, olha eu...
Cético, cínico e trintão...
Totalmente entregue à paixão!
Inocência, por que não?
Eu sabia que seria assim
Uma ânsia sutil e sem fim
Um brado em meio aos escombros...
Inocência, não me dê de ombros
Não finja que eu não estou aqui!
Ela não está aqui.
Algures, à esquerda de nenhures
Dobra a esquina,
Sem ponto de referência
Ah, se não fosse a inocência!!!
Se não fosse a inocência, achar-me-ia ridículo
Por mesoclisar este poema feio
Mas eu não chamei
E ela não veio
E olha que tudo que eu quero
Não é um beijo, é um abraço
Depois, verei o que faço
Enquanto encosto de leve os lábios
Em sua nuca preciosa
E ouso ler a primeira página
Da linda fábula misteriosa...

CHET BAKER

Chet Baker
Eduardo B. Penteado


Chet Baker, aprisionado no laser
Virou meu escravo, o pobre deus
Dá bis ao meu belprazer
Um show eterno no dedo de Zeus
Um club de jazz no quarto vazio
Que se transforma...
A fumaça revela os rostos e a morfina
Os dentes trincados, a anfetamina
Antes, era bossa nova e “Wave”
Agora é ecstasy e rave
Os anos cinquenta, os anos noventa...
E o troar da ausência que não se aguenta
É difícil esquecer o bom da vida
Pena que seja tão sofrida
Play it again, Chet!

JESUS WANNABE

JESUS WANNABE (Mercedes Benz with a Twist)
Eduardo B. Penteado


Oh, Lord, won´t you buy me
The easy way out
My friends all are smiling
And I wanna shout
I´ve tried all my lifetime
So what´s it all about?
Oh, Lord, won´t you buy me
The easy way out

Oh, Lord, I can see you
On my big screen TV
Begging for dollars
Your followers sicken me
I´ll wait for an answer
Until I´ll be free
Oh, Lord, I can see you
On my big screen TV

Oh, Lord, I´ll dump you
Somewhere downtown
I counted on you, Lord
And you let me down
Prove that you´re worthy
And that you´re no clown
Oh, Lord, won´t you feed me
With bullets, then drown!

ADOLESCÊNCIA

ADOLESCÊNCIA
Eduardo B. Penteado

Juventude me faz ressuscitar velhos versos
Assim como nós
Aleatórios e dispersos
Somos vagos universos do imaginário coletivo
A fonte das ideias pequenas e indulgentes
Sim, já fomos adolescentes
Magros e inconsequentes
Tudo, tudo igual!
Mas a ótica é diferente
Sairei pela redoma que envolve a minha mente
E a grande ironia que não entendo
É ir me matando para poder seguir vivendo...

À IMOBILIDADE DO VENTO

À IMOBILIDADE DO VENTO
Eduardo B. Penteado


Adeus, folha solta ao vento
Arranquei-te de meu corpo
Podei-te de minha alma
Como um cego executa uma cirurgia
Queria esvair-me em hemorragia
Pois tua seiva eu não mais queria
Tu eras a última folha de outono que não caía
Era a tua presença única e exclusiva
Que me protegia
Mas sempre busquei aventura na secura
De minhas artérias vazias
Mas por que não fazer-te testemunha
De minha própria morte?
Tua resposta repousa em tua própria sorte
A folha gira solta e livre no horizonte
E aos prantos, transforma-se em ave
Criou asas, não mais depende do vento
Paira no ar
E com um último olhar
Fulminante
Cantarola e voa em disparada rumo à vida
Ao sol
E ao esquecimento
Adeus, folha solta ao vento.

PÓLENS

PÓLENS
Eduardo B. Penteado



Nada a fazer, senão
Escutar o mais belo tango do mundo
Num fim de tarde perdido num verão
Na mais bela cidade do mundo... que importa?
Velando o cadáver de um telefone mudo.
Espero a chance de ouvir a voz
Da mais bela mulher do mundo
Cujo rosto não me recordo mais
Ainda não aprendi a matar de fome
Os meus devaneios... travesseiros... não.
Só queria ter o poder
De fazê-la pensar em mim por um só momento
Apenas por um momento.
Que asneira, é óbvio que não!
Um momento apenas não faria meu telefone tocar
E hoje o meu telefone morreu
Somente hoje
Calou-se, emudeceu
Saí, bebi, chapei
Ri com os outros ébrios, aprisionando lágrimas
E amaldiçoando as mudas rosas que mandei...

PERDÃO

PERDÃO
Eduardo B. Penteado


Não posso ver-te, sob pena de uma velha dor
A dor que tua redoma em mim provoca
Inatingível!
Caminhei muito e para longe
Somente para encontrar-te na direção oposta
Ah, como eu jurei...
Jurei nunca mais dedicar a ti minha poesia
Jurei que nunca te amei
Jurei...
Oi.
Sei que andas linda
E quiseras não ter-me feito sofrer
Segurei tua mão ontem, e lembrei que és...
Algo escapou da mais profunda masmorra
E foge rumo à superfície
Os portões explodem, e o Algo avança
Por que insistes em ficar tão perto de mim?
Inatingível, é o que és...
Dona de uma crueldade indômita e bela
Melhor nem mencionar teus olhos, pois...
Pedi-te para não me encarares e desobedeceste
Por quê?
Pediste perdão.
Aqui tens Algo parecido.
Ou não...

A BLIND MAN´S DREAMS

A BLIND MAN´S DREAMS (Rio, 11/02/1982)
Eduardo B. Penteado


There was once a boy
Who had nothing else to see
You see
The boy is me


Whoever loved me
Had much to cry for
Whenever I loved someone
I usually quoth, "nevermore"

I have had many dreams
Most of which never came true
But you see, clueless girl
My best dream is still you...

SAMANTHA

SAMANTHA
Eduardo B. Penteado
(Rio, 18/04/1989)


Where could you be now, my poet friend?
When will we ever be together again?
I remember you, oh, I do
You were the beautiful sad child
Running alone in a crowd of a million no-ones
So your ink were your tears
In your desperate poems
Your beautiful poems...
Your desperate dreams I loved to read
Your beautiful cries that meant so much to me
Your beautiful, desperate lines
Where I found much of my own reality
So I wish you could tell me,
Samantha Gummer
Just where could you be...?