sexta-feira, 2 de maio de 2008

AMANHECERES

AMANHECERES
Eduardo B. Penteado

- ...
- "Vives dentro de mim como uma alma fugida, que em nada toca mas tudo modifica."
- É seu?
- Talvez.
- Não gostei. Nem rimou direito...
- Dane-se. Robert Frost escolheu a estrada menos percorrida, e foi isso que fez toda a diferença. Durante anos carreguei isso como um lema. Agora cheguei num trevo com milhares de estradas e estou confuso. Chegou a hora de tomar todas... as estradas ao mesmo tempo. Ou uma, talvez... ou nenhuma. Adeus. Quem chamou você aqui? Vá embora!
- Tem certeza?
- Não.
- E sobre ela?
- Ela quem?
- Ela...
- Não quero falar sobre ela.
- Mas é por isso que eu vim. Ela mandou avisar que está te esperando lá na praia, com algumas garrafas de vinho.
- Mas agora? Que horas são?
- Quatro.
- É dia ou noite?
- É noite santa, sua anta!
- Só pode ser truque. Eu nem te conheço!
- É claro que é truque. Você não vai? Tá com medo de quê?
- Do outono...
- Outono?! Não acha meio frio demais para estarmos no outono?
- Esquece.

Praia de Copacabana, em algum posto entre o Tempo Perdido e o Paraíso Perdido.
- Gosta do Fausto Fawcett?
- Não sei. Não moro aqui.
- Nem ele.
- Não enche. Afinal, ela é bruxa ou não?
- Olha! São duas da manhã!
- Bem que eu achei que você não era normal. Eu pergun...
- E eu estou lhe dizendo que embora isso possa parecer muito louco, você está recuperando tempo. Talvez ainda dê tempo. Venha, vamos comer um pastel de vento!
Atravessamos a Avenida Atlântica e em poucos minutos estávamos na Vista Chinesa. (?)
- Peraí! Como...
- Não importa.
- Mas aqui é perigoso à noite.
- Não tem perigo. Estamos em 1958.
- ...
- Quer um pastel? Toma.
- ...
- Não fique pálido. Conte-me uma história triste e sofrida.
- Não posso. Não canto blues. Além do mais, você já conhece essa história. Você é parte dela. Porque não aproveita e me conta o final, duma vez? Eu tô me esforçando para parecer normal, mas apareceu um tique nervoso na base da orelha. Acho que estou excitado. É, estou. O que tinha nesse pastel?
- Não se preocupe, não é o pastel. Eu só queria privacidade. Se você quiser, nós vamos embora.
- Não. Vamos ficar aqui. Beije-me.

- Acorde.
- Onde estamos?
- De volta à sua realidade. Quer fugir?
- Não é sempre que eu consigo. O que aconteceu?
- Você que sabe. Não quer saber quem sou?
- Não. Você me assusta... tudo bem, diz logo!
- Não adivinhou ainda? Sou um elo.
- Você existe?
- Tente entender assim: eu represento todo o sentimento entre você e...
- ... ela. Mas e o que rolou na Vista Chinesa?
- Nunca estivemos na Vista Chinesa. O que você sente por ela?
- Pô, você deveria saber!
- Digamos que eu queira ouvir de você. O que você sente quando está perto dela?
- Deixe ver... sabe aquela fraqueza que a gente sente quando está prestes a pegar uma gripe? Pois é, só que muito melhor!
- Você é estranho. Aquário?
- Claro! E pelo menos eu existo.
- Tem certeza?
- Já te disse que hoje em dia a certeza não me diz mais nada.
- Você não estava falando comigo. Se eu me lembro bem, isso faz parte de um poema que você estava resmungando antes de eu sentar do teu lado. É sua?
- Talvez.
- O que você estava bebendo, mesmo? Dry Martini, né, como nos filmes? Por que logo Dry Martini?
- Curiosidade.
- Você acredita em coincidências?
- Há muito tempo eu não acredito mais em coincidências.
- Faz bem...

Sentei numa falsa duna em frente ao Copacabana Palace e fiquei imaginando amanheceres. Tudo aquilo já era demais, eu já não entendia mais nada e eu detesto perder o controle da situação.
- Aí está você perdendo tempo de novo...
- Acho que está na hora de você partir.
- Você pensa que sabe tudo, né?
- Você não tem mais mistérios pra mim. Pelo menos, os seus mistérios não me interessam mais. Tem um monte de gente que nem você lá no Baixo Gávea. Eu quero pensar um pouco, sozinho.
- Você pensa D+ e age D-...
- Ela te disse isso também, né? Bom, ela pensa que sabe pra cacete, e deve saber, mesmo. Deve saber muito sobre suas próprias experiências, sua lógica, seus valores e suas dores... de cotovelo. O que ela não sabe é tudo que ainda não mostrei, e se um dia mostrarei. E não estou falando de poemas, canções, fotografias e nem de folhas datilografadas... e nem garrafas vazias! De onde saíram essas garrafas cheias de vinho?!
- Não adivinhou ainda? Eu escondi.
- Você é bruxa?
- Acho que isso realmente não importa mais.
- E eu acho que nunca vou saber realmente quem você é. Encha a minha taça!
- Um brinde às telenovelas mexicanas! Quanto tempo você pretende ficar preso neste limbo? Como você já deve ter percebido, aqui não há amanheceres...
- ... nem ressacas, nem o day-after. Só o prazer da dor e da escuridão. Eu quero sair daqui, mas não vejo como.
- Então conte-me uma história mais triste do que a sua.
- Não. Tô de saco cheio de histórias tristes. Conte-me a sua.
- Summertime...

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